domingo, 19 de fevereiro de 2012

OLHAR PARA TRÁS

DE FACTO EU SEMPRE PERTENCI ao grupo de indivíduos que não teve grande atracção pelo que fica para trás, pois que uma coisa é servirmo-nos das experiências históricas, tentando não repetir erros que se cometeram e outra, bem diferente, é andarmos constantemente a acusar quem já não se encontra em condições de ser apontado como culpado do que nos conduziu a uma situação que, em face dela, tem que ser encarada com a relativa frieza, pois que, por muito que nos atraia a ideia da vingança, não é através dela que conseguimos solucionar os problemas que temos entre mãos.
Claro que uma boa parte dos eventuais leitores deste texto estarão a reter na memória a figura mais recente do nosso panorama político e que, encontrando-se bem vivinho e a usufruir das mordomias que a sua condição de político bem relacionado com parceiros que ainda se encontram perfeitamente instalados nos seus postos governamentais, abriu caminhos que lhe poderão servir para deambular por esse mundo fora, podendo ser até somente a Europa, dando satisfação aos seus sonhos que, segundo parece, se situam na área da frequência superior na área da filosofia. Já lá vai e o José Sócrates não pode continuar a entravar a nossa difícil missão de pretendermos salvar Portugal da derrocada em que se encontra.
Mas, o facto de não ficarmos ligados a personagens que só contribuem para enfarruscar ainda mais as nossas cabeças, não quer dizer que não consigamos, de vez em quando, encaminhar a nossa memória para situações que, nesta altura de pesadas exigências de mantermos uma vida carregada de sofrimento, nos podem ajudar a suportar, com mais resignação, aquilo que os poderes políticos nos oferecem, como presente envenenado.
Quem tem idade suficiente para chamar à memória situações que foram atravessadas com excessivas obrigações de serem vividas, os que são da época em que uma guerra mundial pôs todas as populações que, como a de Portugal, ainda que não tivéssemos participado directamente na contenda que arrasou muitos países, na Europa mas não só, nos criaram as maiores dificuldades, entre elas a utilização dos cupões de racionamento que nos limitaram no consumo dos produtos mais necessários para o dia-a-dia da vida corrente, quem puxar pela cabeça e seguir todos os passos que, sobretudo os rapazes das famílias, eram destinados a percorrer os diferentes estabelecimentos que comercializavam os produtos de primeira necessidade, mantendo-se nas “bichas” desde as primeiras horas da manhã para, exibindo as cadernetas relativas a cada família, poderem colher a parte do que estava racionado e antes que a mesma se acabasse, todos os ainda vivos que, por cá se conservam e podem comparar essa época com a que atravessamos nos nossos dias, esses não transformam em drama a situação que se atravessa nesta altura.
Com alguma tendência para transportar esse pensamento para uma cena teatral com o seu quê de romântico, não se terá dificuldade em rodear as imagens que nos venham à cabeça de um certo ambiente de amizade e de compreensão generalizada que se viveu nesses tempos longínquos. A mercearia de bairro, em que um senhor António, fornecedor de muitos anos dos produtos ligados à sua actividade, e já conhecedor do que em cada casa se adquiria, dava sempre um certo jeito acrescentando um ou outro produto que excedia a caderneta de racionamento, o mesmo se passando na padaria, em que o pão de segunda era cortado e pesado, sempre havendo um contrapeso que se mastigava no regresso a casa, e o sabão, vendido na rua dos Sapateiros, na CUF, assim como o petróleo, que obrigava a permanecer em longas filas de consumidores, acontecendo frequentemente que, a meio da espera, saísse a informação de que, naquele dia, já se tinha acabado o stock existente, como se passava idêntica cena na carvoaria, em que o carvão e as bolas, pesados rigorosamente, eram um elemento fundamental para que nas cozinhas e nas braseiras não faltasse um elemento que se antecipou muitas décadas ao uso da electricidade e do gás que agora ajudam a enfrentar os frios, mas o que mais se diferencia do que ocorre hoje, é que as classes médias, formadas por gente que tinha os seus empregos mas que só dispunham de verbas palpáveis nos finais de cada mês, o uso do livro de fregueses, em que cada folha era destinada a uma família do bairro, nem necessitava de lembrar o vendedor para registar na sua página o montante vendido a crédito.
Foi uma época que, vista à distância, nem parece ter deixado muitas marcas dolorosas. Vivia-se assim e tanto os que vendiam como os que compravam mantinham um relacionamento que, provavelmente hoje, seria bem difícil de suportar, entre outras razões porque a noção de confiança e a pouca existência de gente que se aproveitasse das circunstâncias para pregar o seu calote, tudo isso fazia com que não se assistissem a muitas lamúrias, coisa que hoje, com este mundo moderno e a falta de vergonha que se implantou nas sociedades, faz com que o confiar no parceiro é coisa que pode custar muito caro…
Acima de tudo, o despender-se mais do que a carteira suportava, essa atitude não passava sequer pelas cabeças dos portugueses dessa época. O uso até dos envelopes, em que cada despesa calculada, era introduzida a tempo no momento em que existia disponibilidade resultante do recebimento dos ordenados, esse sistema não apanhava ninguém desprevenido, pelo que, mesmo sem ser possível ir guardando algum excedente, nessa época, em que não estavam na moda os bancos, era chapa ganha chapa gasta, mas dívidas… essas é que nunca!

Sem comentários:

Enviar um comentário